Um relatório sobre violência contra crianças e adolescentes revela um cenário alarmante no Brasil: as meninas são as principais vítimas de abuso sexual.
O estudo, intitulado “Violências contra crianças e adolescentes em dados”, baseia-se em informações do Sistema de Informação para a Infância e Adolescência (Sipia), do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e do Disque 100.
Entre 2020 e 2023, os dados mostram que a maioria das vítimas de abuso sexual são meninas: 84% no Sipia, 88% no Sinan e 76% no Disque 100. Essa tendência se repete em todas as faixas etárias e independentemente do perfil dos agressores.
A análise detalhada do perfil das vítimas revela que, no Sipia, 63% têm entre 12 e 17 anos, enquanto no Sinan, 43% estão na faixa etária de 10 a 14 anos.
No Disque 100, 48% das vítimas têm entre 12 e 17 anos. As meninas também são maioria nos casos de violência psicológica, conforme apontam os três sistemas de registro.
A influência da desigualdade de gênero
A psicóloga Emmanuele Pereira explica que normas culturais e sociais que perpetuam a desigualdade de gênero tornam as meninas mais vulneráveis ao abuso.
Segundo ela, fatores como a objetificação feminina e expectativas de comportamento influenciam essa realidade. “A permissividade em relação à exposição do corpo e a imposição de padrões de comportamento contribuem para a prevalência da violência sexual contra meninas”, afirma.
O lar como principal cenário da violência
Os dados também mostram que a maioria dos abusos ocorre no ambiente doméstico. No Sipia, 57% dos casos de violência sexual têm como agressores familiares próximos. No Sinan, esse percentual é de 44%, enquanto no Disque 100, chega a 84%.
O relatório ainda aponta que a violência sexual contra crianças e adolescentes acontece de forma recorrente: 73% das violações registradas no Disque 100 indicam que não foi a primeira vez que a vítima sofreu abuso.
Ana Lúcia Munhoz de Oliveira, advogada e presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da OAB-PR, destaca a importância da recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que determinou a aplicação da Lei Maria da Penha também para meninas vítimas de violência doméstica.
“A violência contra meninas ocorre predominantemente no ambiente doméstico, onde a dependência emocional e econômica dificulta a denúncia e perpetua a impunidade. Embora a maioria dos casos atinja meninas, é essencial ampliar o debate para considerar também a violência contra meninos, muitas vezes normalizada pelo machismo estrutural”, alerta.
Impacto da pandemia e o aumento da exploração digital
Com o retorno às atividades presenciais após o período de isolamento social imposto pela pandemia de Covid-19, houve um aumento nas notificações de casos de abuso, segundo especialistas. A exposição a espaços institucionais, como escolas, facilitou a identificação da violência.
Outro ponto preocupante é o crescimento da exploração sexual no ambiente digital. Apesar de a residência ainda ser o principal local dos abusos, a internet tem se tornado um espaço cada vez mais frequente para a violência contra crianças e adolescentes.
“Pais e responsáveis precisam estar atentos ao conteúdo consumido pelas crianças e adolescentes na internet, acompanhando suas referências e interações”, conclui Emmanuele Pereira.
Os números evidenciam um problema grave, mas também demonstram uma crescente mobilização para enfrentar a violência contra crianças e adolescentes. A conscientização e a notificação dos casos são passos fundamentais para combater esse cenário e garantir a proteção das vítimas.